24/11/2016

Entrevista com a ativista Dayze Vidal do Grupo de Mulheres Negras do Cariri-Pretas Simoa

“Atrelando o conceito de gênero ao de “raça”, onde ambos descartam o discurso biologizante das diferenças para se deterem ao campo semântico do conceito abreviado de “mulher negra”, devemos considerar que este é, sobretudo, um conceito determinado pela estrutura da sociedade e pelas relações de poder que a conduzem”.

O Grupo de Mulheres Negras do Cariri-Pretas Simoa surgiu em 2013 e desde a sua fundação a Dayze Vidal vem atuando como ativista, palestrante e formadora.
Em entrevista cedida ao blog Ubuntu Notícias – Dayze Vidal falou sobre a atuação do Pretas Simoa e fez algumas considerações bem relevantes:
Lucélia Muniz – Enquanto ativista do grupo de Mulheres Negras do Cariri Pretas Simoa, quais as principais conquistas que você acredita que já tiveram dentro do campo, seja da questão de gênero ou étnica?
Dayze Vidal – Bom, eu acho que uma das principais repercussões que a gente vê a partir do grupo é a discussão geral aqui no Cariri sobre mulher negra com especificidade de mulher negra. E, o nosso grupo ele surge porque a gente sentiu a necessidade dentre todos os espaços que nós estávamos ocupando de ver este debate com recorte específico de mulher negra que não tinha, podia ser no movimento de mulheres. Se fosse no movimento de mulheres a gente tinha que está pautando sempre a especificidade da raça, se fosse no movimento negro a gente tinha que está pautando a especificidade de gênero e a gente sente que isso vem mudando. Os outros grupos eles vêm pautando mais, a gente considera como uma vitória, a gente conseguir ver este debate sendo pautado com uma frequência maior dentre tudo que a gente viu desde 2013, eu acho que esse é assim um acontecimento muito significativo para o grupo.

Lucélia Muniz – Em termos de articulação, por exemplo, se a gente for comparar o nosso país como um todo, fazendo este recorte trazendo para o Cariri, como é que você vê hoje o empoderamento da mulher negra aqui na nossa região?
Dayze Vidal – Esse processo de empoderamento como um todo e a nossa região lógico ela faz parte de um recorte muito amplo... nós passamos por um momento de retrocesso muito grande já algum tempo a gente faz essa análise. E eu acredito que nesses processos existem também uma coisa chamada resistência, inclusive Foucault fala que a resistência ela surge daí... é do momento, é do contexto, ninguém nasce, ninguém acorda um dia e diz eu vou resistir. A resistência ela acontece desse processo de luta! Então, o racismo no Brasil, o machismo, os dois aliados são coisas extremamente cruéis. E a gente vê que massacra as mulheres em geral e o recorte de mulher negra é um recorte que sofre muito com essa junção do machismo e do racismo cotidiano. E, a partir desse momento de retrocesso, eu vejo uma resistência também, um processo de resistência muito forte a nível nacional e eu vejo isso também aqui no Cariri. E aí eu pauto o surgimento do próprio Pretas Simoa como um processo de resistência porque a gente surge a partir de ver, de sentir essa necessidade de reagir para essa perspectiva que a gente via de não ter esse debate específico sobre mulher negra. Eu acho que através desses processos de retrocesso existem também processos de resistência e não existe só a gente, tem uma galera, tem um grupo de crespos e cacheados também que faz um debate diferente do nosso, mas que também é um debate importante, tem uma preta, a Renata do Coletivo Camaradas... ela faz um debate sobre mulher negra através da estética, porque discutir estética da população negra, da mulher negra não é como discutir qualquer tipo de estética. Nossa estética ela é política, usar o nosso crespo, usar os nossos dreads, nossos turbantes, é um processo de empoderamento... não é qualquer pessoa que está preparada para usar um cabelo que todo mundo vai olhar, vai dizer que é feio, vai fazer piada, porque a gente aprende socialmente isso, a gente aprende que o cabelo crespo é ruim, que o cabelo crespo é feio, chamado de bombril e é estes diversos adjetivos que é pra negativar que fazem parte de um processo onde dificulta que a nossa identidade seja construída de uma forma positiva. Porque está ligado a tudo que é negativo, ao processo de escravidão, a todo esse processo e isso acaba culminando no contexto que a gente vê hoje. Então é assim, essa resistência que surge desse processo aqui no Cariri ultimamente tem crescido cada vez mais... eu acho que surge disso, surge da luta, da resistência.

Lucélia Muniz – Qual o foco que vocês utilizam para trabalhar dentro das escolas, por exemplo, a questão da construção da identidade?
Dayze Vidal – Eu acho que é assim, o que a gente trás para debater nas escolas, lógico que a gente tenta tirar um pouco a densidade desse debate, porque a gente vai estar trabalhando, inclusive eu costumo dizer que a nossa dificuldade de trabalhar nas escolas não é com os alunos, geralmente são os professores, o núcleo gestor, porque existe um pensamento solidificado sobre a população negra no Brasil. E esse pensamento tem que ser desconstruído, porque esse pensamento é um pensamento que vem do mito da democracia racial, é um pensamento que pega o processo de miscigenação, por exemplo, como positivo. O processo de miscigenação, nós temos que entender que foi um processo extremamente negativo para a construção da identidade negra no Brasil. E, foi um processo de poder, a miscigenação nada mais é do que um processo de poder para acabar com essa história de construção de identidade negra. Ora, se nós somos todos misturados porque que a gente vai falar de consciência negra, de identidade negra e aí a gente vê esse debate nas escolas esvaziados, a gente vê que os professores de história quando trabalham, muitos professores reproduzindo essa lógica da miscigenação, reproduzindo essa lógica da consciência humana e de uma não consciência negra. E isso para a gente é muito prejudicial! Então, é essa perspectiva que a gente tenta trazer, não só para a escola, mas para a universidade, porque esse pensamento também tá dentro da universidade, esse pensamento é hegemônico dentro da universidade. E, esse pensamento ele se refletir nas escolas é reflexo da formação que a gente está tendo na universidade... então acaba sendo um círculo vicioso. O que a gente tenta trazer para a escola é esse debate de desmitificação mesmo, para a gente compreender como se deu a nossa formação sócio histórica, de como foi que foi construída essa ideia da população negra no Brasil e para que a gente desconstrua e para que a gente entenda o racismo como formador da nossa sociedade e portanto das instituições, e a escola é uma dessas principais. Porque lá no pós-abolição, por exemplo, a população negra já entendia que a educação era um viés muito forte e já trabalhava essa questão da educação, porque uma população negra formada, formando pensamento, é perigoso para esse pensamento hegemônico. E é esse pensamento que a gente quer destruir e a gente considera que a escola é uma via fundamental para que a gente comece a trabalhar essa desconstrução.

Lucélia Muniz -  E, por exemplo, como é que as pessoas devem fazer para entrar em contato com vocês para convidar para ministrar palestras ou realizar alguma formação?
Dayze Vidal – Bom, a gente tem uma página no Facebook que é o Pretas Simoa, a gente também tem o Facebook do Pretas Simoa, tem o e-mail que é pretascariri@gmail.com e também temos um blog.  E, também tem nossos contatos no Facebook e geralmente as pessoas nos acessam assim... Eu acho que nesses três anos a gente tem conseguido pautar tanto esse debate que as pessoas o que é uma coisa boa, que as pessoas elas reconhecem o nosso empenho em estar pautando esse debate sobre mulher negra aqui na região do Cariri. Então, as pessoas podem entrar em contato através desses meios.

Lucélia Muniz – E quanto as formações?
Dayze Vidal – Nós trabalhamos com um processo de formação aberta porque o nosso grupo é um grupo de mulheres negras. Então, o nosso foco pela própria composição são mulheres negras, mas reconhecendo que o racismo é um problema social que atinge tanto a população negra quanto a população não negra. Nós trazemos diversas temas ligados ao nosso recorte sobre mulheres negras e nós trabalhamos com ativistas, com personalidades negras, nós trabalhamos algumas questões que acabam surgindo no grupo, nós temos muitas mulheres lésbicas e nós passamos a trabalhar com o recorte específico de mulher negra e lésbica. Porque dentro da bandeira LGBT, dentro dos grupos de lésbicas também, do próprio movimento social, a gente percebia que esse recorte ele não era feito. Então, era a mesma coisa que a gente passava enquanto preta em grupos de mulheres sem ter o recorte racial, as pretas que eram lésbicas se tivessem no movimento LGBT só via o recorte de orientação sexual e se tivesse no grupo um recorte de gênero e raça. Então, foi uma questão que acabou surgindo e passamos a trabalhar com isso e dentro desse recorte passamos a fazer uma formação aberta onde a gente chama todo mundo, homem, mulher branca, vermelha, rosa, quem quiser participar, pode participar desse processo de formação nessa compreensão que a gente tem que destruir o racismo em conjunto. Nós mulheres negras, homens negros empoderados e empoderadas e o restante da população reconhecendo que o racismo é um problema social que nos afeta e que adoece a sociedade.     

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